Uma questão de vontade

Li há tempos uma entrevista com um médico português, pioneiro no estudo da Sexologia e nas consultas desta especialidade. Dizia coisas muito interessantes, algumas das quais já não são hoje novidade nenhuma, mas que o eram seguramente na altura em que iniciou a sua actividade, lá pelos idos dos anos 60.
Dizia ele que, nessa época, as mulheres o procuravam porque não sentiam prazer sexual. Os tabus ainda eram muitos, e os estudos sérios sobre a sexualidade feminina eram poucos. Muitas vezes, era o casal que vinha à consulta, e era ao casal que o médico tinha de dar as informações e os conselhos. Essa época já lá vai há muito tempo e hoje a mulher tem liberdade para fazer as suas escolhas sexuais e tem toda a informação  que quiser à distância de um clique. Dizia o médico que, hoje, as mulheres já não vão à consulta queixar-se de falta de prazer sexual. Vão à consulta porque têm prazer mas… não lhes apetece ter relações sexuais!
 O médico explicava que, hoje, se vive muito através da imagem, particularmente da imagem televisiva. As pessoas vivem o que se passa no écran, fazendo suas as vidas que acompanham em séries e telenovelas. Compensam uma vida demasiado cinzenta e rotineira com o glamour, a beleza, a surpresa, o deslumbramento, que as novelas lhes fornecem. Isso compensa-as, mas por outro lado cria-lhes frustrações, porque a vida real não consegue acompanhar aquele ritmo frenético e fascinante. Entre o seu mundo e o mundo do sonho televisivo, há uma distância intransponível.
Como é que esta informação se pode relacionar com a primeira?  Muitas mulheres acompanham, no pequeno (ou, às vezes, grande!) écran, aquelas relações escaldantes, com olhares irresistíveis, desejos urgentes, roupa espalhada pelo apartamento, um copo antes e um cigarro depois!…  Mas a sua rotina não é essa, são dias de trabalho seguidos ainda do trabalho da casa e das crianças. São preocupações e listas de supermercado. São pilhas de roupa para passar e colegas metediços. São dores nas costas e filas intermináveis de carros. São recados da professora e advertências do chefe. São pijamas tirados à pressa e despertadores inflexíveis.
Ainda se admiram que as mulheres tenham perdido a vontade!
E ainda há quem diga que não se conseguem entender as mulheres! 


Comentários

  1. Ainda há muitas mulheres que não têm prazer sexual Teresa... e muitas vezes, essa falta de vontade, também se prende com esse factor. Há cada vez mais pressão social para se ter orgasmos ou até ser multiorgástica e agora mais recentemente, a dita ejaculação feminina e o que acontece, é que, tal como antes, continua ter vergonha de dizer que não tem prazer... e muits vezes, mente ao marido, mente às amigas e mente a si própria... Para ter prazer, a informação, não chega... :)E devem continuar a se deslocar ao consultório, companhadas dos maridos, pois tal como antigamente, os conselhos dirigem-se aos dois, pois a questão aos dois diz respeito... A falta de líbido é um problema complexo, influenciada por variados factores. Mas revela sempre que a vida sexual do casal, deixou de ser uma prioridade... ou que há outras questões relacionadas com a relação do casal que devem ser trabalhadas. O cansaço, em si, ou o stress, são muitas vezes, desculpas para outras coisas que se passam entre o casal. Convém as mulheres, colocarem as coisas em perspectiva... e avaliarem qual a importância dada ao sexo e agendar se for preciso, pois ele faz parte integrante da intimidade que se vai perdendo se lhe for retirada a prioridade... e isto, aplica-se aos homens, que isso que são as mulheres que não lhes apetece muitas vezes, não passa de um mito... pois o inverso acontece de igual modo... Fico por aqui :) Beijinhos

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  2. Eva
    Tens razão em muito do que dizes. Há uma grande pressão social para a performance sexual perfeita, como para muitas outras coisas. E esse modelo, afasta a vontade pela distância a que está do mundo real.
    Achei graça a algumas coisas desta entrevista e decidi fazer este post de uma forma um pouco... provocatória!
    Bjs

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  3. Realmente nada há de parecido com a vida que vemos nos filmes e TVS. ...rsrsr..Adorei essa entrevista e gostei da imagem!beijos,chica

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  4. Teresa

    Uma excelente provocação, diga-se em abono da verdade. Um tema eterno e cuja problemática, embora adquirindo aspectos diferentes ao longo do tempo, continua a ser bem actual.
    Concordo um pouco, com tudo o que aqui foi dito. A mulher necessita de disponibilidade física e mental para obter prazer, e na maior parte das vezes, não tem e outras tantas, também não têm companheiros que se preocupem com isso.
    Os estereótipos sociais de mulher bela, sedutora, disponível e altamente competente a nível sexual, exercem uma pressão tão elevada, que frustram qualquer mulher.
    O mais importante, é sempre o caminho que ainda falta percorrer. A mulher precisa saber conseguir ouvir-se mais, respeitar-se mais e acima de tudo, pensar mais em si... não será fácil, pois não. Temos evoluído bastante! Mas a verdadeira libertação sexual, a mulher ainda não a fez, e essa reside dentro da sua própria cabeça.
    Um beijinho

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  5. "... e ainda há quem diga que não se conseguem entender as mulheres!"
    E é verdade! Como é que conseguem esta militância árdua, filhos, maridos, patrões e demais turbilhões, sempre desprotegidas dos seus direitos(!?)... mas sempre,... sorrindo!

    Escrevi algures e no dia Internacional, que o dia não deveria ser comemorativo, mas reivindicativo!

    Disse ainda que, dias destes, são uma espécie de medalhas de cortiça para adiar sempre, sine die, o momento de a justiça estar em vigor!

    Entretanto, é como o Natal que deveria ser todos os dias, mas não é (...)

    E disse muitas coisas mais, que isto aqui não é um post!

    A m/vénia e saudação diária a todas as mulheres do mundo.

    Um abraço
    César Ranos

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  6. Chica
    Ah, pois não é parecida com as novelas, não!
    Bjs

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  7. Maria João
    Subscrevo tudo o que dizes, e muito bem o dizes: A verdadeira revolução ainda está em curso e está dentro da cabeça das mulheres. Tem a ver com o respeito e a auto-estima. Esperemos por melhores tempos.
    Bjs

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  8. César
    Vinda de um homem, agradeço a homenagem em nome de todas as mulheres do mundo.
    Bjs

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  9. Provocação, Teresa?
    Achas mesmo que a verdade constitui em si uma provocação? Achas que o "direito" que as mulheres adquiriram de não ter mais de se desculparem com as famosas dores de cabeça, mas dizerem "não tenho vontade", é uma provocação?
    Pois eu não acho.
    Bj (ainda dos confins..)

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  10. Ana
    Não, claro que não. O que eu acho que devemos tentar entender é o porquê da falta de apetite sexual. Se existe, porque é? É o stresse? A pressão das altas performances? A sobrecarga de trabalho?
    Quando disse que era uma espécie de provocação, referia-me ao tema. Afinal, conseguimos discutir tudo ou não? Olha, pelo número de comentários (poucos mas bons, claro!), ainda acho que temos muitos tabus!
    Bjs para os confins do universo.

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  11. Parabéns, Teresa, pelo tema aqui posto de forma desempoeirada, desinibida,aberto à discussão, como tudo deveria ser.
    A nossa amiga Maria João "pegou" bem num dos aspectos da questão: "... a mulher precisa saber conseguir ouvir-se mais, respeitar-se mais e acima de tudo, pensar mais em si... não será fácil, pois não...".
    Do meu ponto de vista, respeito e auto-estima são fundamentais.
    Que a mulher não sorria quando quer chorar. Que não se submeta quando não quer tolerar, que rejeite quando não quer aceitar.
    Que Ela possa dizer, sem complexos ou receios, não me apetece.
    Creio que ouvindo-se a si própria a dizer tudo isto, e a fazê-lo, recuperará o apetite sexual.
    A quebra de amarras é sempre libertadora.
    Desejo que todas as mulheres o façam.
    BJS

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  12. Carlos
    Obrigada por participar neste debate, dito feminino. Sabe, achei que, nesta semana do Dia Internacional da Mulher, que decidi dedicar às questões mais femininas, era imperativo sair da espuma dos assuntos e mergulhar no essencial. Mas é difícil, eu sei, há muitos tabus.
    Acho que tocou no mais importante: respeito e auto-estima. Também desejo que, um dia, as mulheres consigam quebrar todas as amarras que as mantêm dependentes.
    Bjs

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